O grande tema da Rio+20 era “Que futuro queremos”. O documento final, entretanto, não nos fornece a rota nem os meios de percorrê-la. Ele é medroso, sem ambições e sem sentido ético e espiritual da história humana. Refém de uma visão reducionista e até materialista da economia não forjou um novo e necessário software social e civilizacional que nos desse esperança de um futuro que não fosse simplesmente o prolongamento do passado e do presente. Este deu tudo o que tinha que dar. Levá-lo teimosamente avante é empurrar-nos para o abismo que se abre lá na frente, num tempo não muito distante.
Depois das crises que afligem toda a humanidade, particularmente a do aquecimento global, da insustentabilidade do planeta Terra e ultimamente da econômico-financeira, atingindo o coração dos países opulentos, o crescimento do fundamentalismo e a permanente ameaça do terrorismo, os cenários dramáticos que muitos analistas sérios desenham para o próximo futuro da Terra, da Humanidade, da vida e as poucas chances para uma paz duradoura, uma angustiante pergunta nos assalta: qual será o próximo passo agora depois da Rio+20?
Façamos algumas constatações: consolidou-se a aldeia global; ocupamos praticamente todo o espaço terrestre e exploramos o capital natural até os confins da matéria e da vida, com a utilização da razão instrumental-analítica; provocamos uma imensa crise civilizatória que se revela nas várias crises enunciadas acima.
Perguntamo-nos: E agora o que virá? Mais do mesmo? Mas isso é muito arriscado, pois o paradigma atual está assentado sobre o poder como dominação da natureza e dos seres humanos. Não devemos esquecer que ele criou a máquina de morte que pode destruir a todos nós e a vida de Gaia. Esse caminho parece ter-se esgotado, embora ainda dominante.
Do capital material somos forçados passar ao capital espiritual. O capital material tem limites e se exaure. O espiritual, é infinito e inexaurível. O capital espiritual feito de o amor, de compaixão, de cuidado, de criatividade, realidades intangíveis e valores infinitos que não há limites.
Este foi parcamente aproveitado por nós. Mas ele pode representar a grande alternativa que supera a crise atual e inaugura um novo patamar civilizatório.
A centralidade do capital espiritual reside na vida, na autonomia dos cidadãos, na relação inclusiva, no amor incondicional, na compaixão, no cuidado de nossa Casa Comum, na alegria de viver e na capacidade de transcendência.
Não significa que tenhamos que dispensar a tecnociência. Sem ela não atenderíamos as demandas humanas. Mas ela não seria mais destrutiva da natureza e da vida. Se no capital material a razão instrumental era seu motor, no capital espiritual é a razão cordial e sensível que organizará a vida social e a produção consoante os ciclos da natureza e dentro dos limites de cada ecossistema. Na razão cordial estão radicados os valores; dela se alimenta a vida espiritual pois produz as obras do espírito que referimos acima: o amor, a solidariedade e a transcendência.
Usando uma metáfora do grande escritor irlandês C.S. Lewis diria: se no tempo dos dinossauros houvesse um observador hipotético que se perguntasse pelo próximo passo da evolução, provavelmente diria: o aparecimento de espécies de dinos ainda maiores e mais vorazes. Mas ele estaria enganado. Sequer imaginaria que de um pequeno mamífero que vivia na copa das árvores mais altas, alimentando-se de flores e de brotos e tremendo de medo de ser devorado pelos dinossauros, iria irromper, milhões de anos depois, algo absolutamente impensado: um ser de consciência e de inteligência – o ser humano – com uma qualidade totalmente diferente daquela dos dinossauros. Não foi mais do mesmo. Foi uma ruptura. Foi um passo diferente.
Cremos que agora poderá surgir um ser humano com outro passo, pois será marcado pelo inexaurível capital espiritual. Agora é o mundo do ser mais que o mundo do ter.
O próximo passo, então, seria exatamente este: descobrir o capital espiritual inesgotável e começar a organizar a vida, a produção, a sociedade e o cotidiano a partir dele. Então a economia estará a serviço da vida e a vida se imbuirá dos valores das relações abertas e inclusivas, da mutualidade ser humano-Terra, da auto-realização e da alegria. uma verdadeira alternativa ao paradigma vigente.
Mas este passo não é mecânico. É resultado de uma coligação de forças ao redor de valores e princípios assumidos por todos, biocentrados e ecoamigáveis. Quer dizer, ele é oferecido à nossa liberdade. Podemos acolhê-lo como podemos também recusa-lo. Mas mesmo recusado, ele permanece como uma possibilidade sempre presente e pronta a irromper. Ele não se identifica com nenhuma religião. É algo anterior, que emerge das virtualidades daquela Energia de fundo, poderosa e amorosa, que sustenta todo o universo, a cada um de nós e que penetra em toda a evolução consciente. Quem o acolhe, viverá outro sentido de vida, vivenciará também um novo futuro, diferente daquele imaginado pela Rio+20. Os outros continuarão sofrendo os impasses do atual modo de ser e se perguntarão, angustiados, pelo seu futuro e até sobre o eventual desaparecimento da espécie humana.
Foi Pierre Teilhard de Chardin que ainda nos anos 30 do século XX teve o sonho da irrupção danoosfera. Noos em grego significa a mente e o espírito totalmente abertos. A noosfera seria a irrupção da humanidade como espécie, da mente e do coração sincronizados e batendo em uníssono. Seria a etapa nova da antropogênese, a superação do antropoceno, a inauguração da era ecozóica e uma idade também nova de Gaia.
Estimo que o legado positivo da atual crise mundial seja nos abrir a possibilidade de realização da noosfera. Dizem por aí que Jesus, Buda, Francisco de Assis, Rumi, Gandhi, Irmã Dorothy e tantos outros mestres e testemunhas do passado e do presente teriam, antecipadamente, dado já esse passo.
Eles são nossas estrelas-guia, os alimentadores de nosso princípio-esperança e a garantia de que ainda temos futuro. As dores atuais não seriam estertores de uma civilização moribunda mas os sinais de um parto de um novo modo sustentável de viver e de habitar o nosso planeta Terra. Seremos humanos, reconciliados conosco mesmos, com Mãe Terra e com a Última Realidade.
Como disse sugestivamente uma de nossas melhoras pensadoras dos novos paradigmas Rose Marie Muraro:” Quando desistirmos de ser deuses, poderemos ser plenamente humanos, o que ainda não sabemos o que é mas que já o tínhamos intuído desde sempre”.
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